quarta-feira, 2 de março de 2011

A Roleta

A roleta
jb.campos

- Você tem filho?
- Bem... se você não tem... com a mais absoluta certeza, você é um filho, ou filha!
Se você tem, então falaremos do óbvio, você é portador de tristezas e alegrias no seu dia-a-dia...
O que queremos dizer é, todos nós somos família, e a vida não teria nenhum sentido se vivêssemos somente para nós, ou seja: cada um por si...
Se você achar que este livro relata fatos chulos, ou atroz do cotidiano, então vá ao livro santo, a Bíblia, e leia sobre as atrocidades relatadas em qualquer tempo, sobre o povo de Deus e suas façanhas e, verá que nada mudou até à nossa atualidade, apenas aumentou a população...
Os palestinos e judeus ("Povo de Deus") de hoje são os mesmos do passado em suas carnificinas, fazendo com que o planeta corra o risco de uma hecatombe...
Quer holocausto maior do que a crucificação de Jesus? Protestantes e católicos também se matam... e para resumirmos, o homem comete atrocidades em nome de Deus, dizendo-se sempre senhor da razão, assim é, o ser humano, sempre se justificando, porém, no mais profundo do seu íntimo está mentindo a si mesmo...
- E lá nos primórdios, quando houve o primeiro homicídio entre os irmãos: Caim e Abel? Então podemos nos aperceber de que a maldade é muito antiga...
A nossa proposta é relatar a vida de um jovem valoroso ao seu conceito, que ressurgiu das trevas, contando com a sorte e... com a bondade de uma jovem, daquelas, que aparecem neste mundo com o dom de amar.
Julieta, filha de Júlio e Júlia...
Júlio: médico pediatra.
Júlia: médica, também pediatra, cuja especialidade é, a de cuidar da saúde de crianças. Profissão esta... praticada no tempo em que se fazia valer o juramento médico...
Quantas noites chuvosas, lá ia o casal de médicos arrastando sua querida e única filha, ao atendimento de algum doente desesperado.
Julieta: enfermeira, posto que, aprendera no auxílio aos pais, esta nobre profissão de zelar pelos desvalidos enfermos desta vida.
Lá pelas tantas, um fato mudaria a história de vida, da enfermeira.
Seus queridos pais, moraram e conheceram-se numa pacata cidade do estado de São Paulo, e como de costume esporádico, o casal viajava à sua querida cidade natal, que distava a uns quatrocentos quilômetros de sua casa... agora na megalópole paulistana, também conhecida por: "Paulicéia Desvairada".
Júlia e Júlio, conheceram-se muito pequenos ainda, e com o decorrer do tempo, fizeram um trato, estudar medicina, com o propósito de ajudar os menos favorecidos, isto quando eram crianças de curso primário...
Espelhavam-se num médico de pobres, doutor Cripaldi, homem doce, raridade mesmo.
Clínico Geral, jamais media distância, muitas vezes à pé, fazendo longas caminhadas por lugares intransitáveis, ao socorro de muitos pobres, dos quais, jamais cobrava consultas e, muitas vezes fornecia-lhes também os medicamentos.
Ironia da vida, certo dia, aquele que devia ser eterno, já que, além de médico, sobejavam-lhe amor e bondade, ao subir, quase que... escalando, um dos morros da cidade; cai fulminado por um ataque cardíaco.
Júlia e Júlio, já estagiários em medicina, estavam prestando serviço voluntário àquela comunidade e, "por acaso", foram em seu socorro, como médicos, porém, nada puderam fazer ao querido mestre, doutor Cripaldi.
Doutor Cripaldi, fora o grande incentivador do casal de médicos residentes, morando na mesma rua em que habitavam as famílias de Júlio e Júlia.
Além do mais, fora médico das famílias do casal.
Julieta, com seus vinte e sete anos de plena jovialidade, aguardava ansiosa o costumeiro retorno dos pais, num peculiar fim de semana, procedentes da querida cidade natal, sendo que, também fora filha do lugar, e nascera ouvindo o canto da passarada, na pacata rua sem saída, que portava placa com o nome do boticário: Paolo Cripaldi, pai do médico dos pobres...
Bem... a vida é assim mesma!
Somos, quantas e quantas vezes, surpreendidos por prenúncios de acontecimentos macabros.
Julieta, estava deveras ansiosa...
Dor de cabeça, parecia-lhe enxaqueca...
Havia jantado com Eduardo, num restaurante especializado em frutos do mar, costume de dias de domingo...
O telefone toca, são vinte horas em ponto, quando o velho carrilhão, relíquia familiar, também entoa seus acordes, fazendo um acompanhamento fora de ritmo com o moderno aparelho...
A enfermeira-bruxa diz:
- Eduardo, Eduardo, atenda você, pois, esta notícia amargará o resto dos meus dias.
Eduardo – profissão: burocrata de uma repartição pública.
- Atenda Eduardo, por favor...
Eduardo atende e, recebe a funesta notícia de que houvera um sério acidente de trânsito com o carro dirigido pelo seu sogro, acidente fatal...
Como dar a notícia... àquela que postava-se ansiosa diante de si?
Fala Edu... estou acostumada a lidar com desgraças, sou enfermeira, você esqueceu-se?
- Não sei como lhe dar esta notícia...
- Já sei; papai bateu o carro!
- Sim!
- E daí, Edu, fala logo vai...
- Acidente fatal!
- Fatal?
- Seus pais estão mortos...
Pela lógica natural dos fatos... não houve maiores comentários, apenas choros amargurados.
Resumindo... uma carreta esmagara o carro dos velhos médicos, em uma ultrapassagem... fato corriqueiro numa capital daquelas que mais cresce no planeta, uma das cidades mais movimentadas do mundo...
Fato ocorrido na periferia da metrópole paulista.
Rumaram rapidamente ao local do fatídico acontecimento.
Eduardo dirigia nervosamente, irritado com o trânsito, quando atropela um jovem e, agora começa um novo drama.
Ao socorrerem o jovem, recebem voz de assalto:
Com grande ironia, diz-lhes o assaltante de mão armada:
- Quero respeito com a minha roleta brasileira e, passem para o banco traseiro...
Mudos e... quase paralisados por conta de tanta desgraça ao mesmo tempo, obedecem, enquanto, um outro meliante senta-se no banco dianteiro ao lado do motorista, com seu revólver calibre 38 em riste aos seqüestrados.
Algo inédito estava para acontecer, quando Julieta pede para explicar a sua situação com relação ao acidente que tirara a vida de seus pais.
Calada! – Diz-lhe o motorista marginal...
Porém, em tom de gozação, aquele que apontava-lhes a arma, replica:
- Fala, dona, fala...
Estou preocupada com o rapaz que atropelamos, e ainda por cima, estávamos indo ao socorro de meus pais que, sofreram um gravíssimo acidente de carro...
- Ei... Nego, essa conversa ouvimos sempre dos nossos convidados especiais, como neste caso...
– não é mesmo?
- Este casal imbecil está tirando uma com a nossa cara, meu...
Por afronta, quiseram comprovar a veracidade dos fatos e, diz Nego:
- Cris, vamos até o local do acidente... assim não teremos problemas de consciência ao matarmos este belo casal de mentirosos.
- Vamos?
- Vamos lá!
Achavam que aquilo era mentira de Julieta e, por certo encontrariam o trânsito fluindo razoavelmente bem, além do que, o caminho era propício a uma fuga rumo ao interior do estado.
Rodaram aproximadamente uns trinta quilômetros, quando começa o engarrafamento devido ao acidente...
Então os bandidos começam a esboçar o desejo de retornar, mas, mão única de uma auto-estrada não dá retorno tão fácil assim.
- E agora Nego?
- Parece que a dona está falando a verdade, rapaz...
Pensaram em encostar no acostamento, porém, logo à frente um guarda rodoviário fazia veemente sinal para que o trânsito fluísse.
Titubearam e, sem saída... ao encostarem, chamaram a atenção dos policiais que, aproximaram-se em dupla, quando um deles pede documentos ao motorista Cris:
Os "calculistas facínoras" como costumam agir friamente com suas vítimas, agora apavorados, tentam controlar a situação sacando de suas armas e, o revide foi mais que eminente.
Mais desgraça, Eduardo é atingido por um projétil, que perfura-lhe o frontal, tombando-o irremediavelmente.
Cris é letalmente atingido no peito.
Nego, entrega-se... com ferimento no braço esquerdo, Julieta sai ilesa da luta pela sobrevivência caótica de uma cidade impiedosa.
Uma semana de traumas e sofrimentos mil.
Julieta desapontada com a sorte, certa noite meditava nas injustiças de uma comunidade global e desumana.
Poucos vivendo fartamente pela podridão dos homens, que governam e fazem leis.
E a grande maioria, explorada pela sutileza de sistemas democráticos, que não passam de reles ditaduras camufladas.
Julieta amava profundamente Eduardo, e agora fazia um voto de castidade, sem ligação a nenhum preceito religioso-filosófico.
Lembrou-se então de Nego... que dessa história toda sobrara vivo.
Julieta passa a visitar constantemente a Nego, que fora menino de rua, e que não tinha pais e nem irmãos.
O impacto fora muito grande, quando visitado pela primeira vez, pela sua ex vítima, Nego tinha o coração bom e mole, parecendo-nos contraditória esta constatação, chorou amargamente ao ouvir alentadoras palavras ditas por Julieta, que por sua vez não deixou por menos, lacrimejando fartamente também.
Certo dia, acometida pela curiosidade, Julieta pergunta a Nego:
- Nego, quando você nos rendeu, você falou em sua roleta brasileira... e o que vem a ser essa tal roleta?
- Bem... dona Julieta...
- Quantas vezes serão necessárias, pedir-lhe para que trate-me de igual para igual, senhor Nego?
- Desculpe-me, Julieta!
Nego, estudara até o primeiro colegial, onde aprontara muitas encrencas, até ser expulso, ou jubilado do curso, mas, gostava muito de ler, claro... leituras sobre a vida de Al Capone, alguns escritos de Agatha Christie, aquelas leituras de ação e suspense etc...
Era letrado, posto que, nesta altura do campeonato, lá na prisão, estava devorando muitos livros... principalmente os forenses. Livros que um pastor evangélico emprestava-lhe.
Fora apenado por quinze anos, por vários crimes.
Voltando à pergunta de Julieta:
- Aquele revolver usado por mim naquele escabroso dia, em seu tambor existem somente dois alojamentos para projéteis, pois, tive a pachorra de entupir as outras cavidades, portanto, sobraram apenas duas em suas extremidades. Conquanto, achava isto razoável e justo, posto que, não tinha intenção de matar minhas vítimas...
- Apesar de matar meu melhor amigo, Jofre...
- Como... matou o seu melhor amigo?
- Infelizmente, sim!
- Como foi?
- Olha... é muito triste relembrar aquilo que jamais posso esquecer, este fato nem a polícia pode tirar de dentro do meu peito, em feitio de confissão...
Mas Julieta, confio piamente na sua amizade e consideração, já que, somente você me visita e, a considero como a mãe que não tive...
Nesta altura, Julieta estava com seus trinta anos, e Nego com vinte e cinco, e já cumprira parte de sua pena e já era quase anistiado por bom comportamento.
A história que vou-lhe contar é realmente comovente, e gostaria que você a escrevesse e depois passasse às pessoas, como exemplo de vida, esse fato ocorrido com meu grande amigo Jofre, que hoje participa dos meus sonhos de quase todas as noites.
Numa noite nublada, peculiar da capital paulista, debaixo de um viaduto, reunido com quatro seres noturnos, afrontamo-nos uns aos outros, na intenção de firmarmo-nos nas nossas frustrações de sobreviventes valentes deste submundo desconhecido por muitos.
Minha roleta brasileira, já era muito conhecida no nosso metiê!
Fomos à via de fatos:
Cada um de nós atirava sobre a testa de cada um, por duas vezes, sendo que, após à cada disparo fazia-se girar aleatoriamente o tambor daquela arma.
De certa forma, tivemos muita sorte, escapamos da morte, porém, Jofre... o meu querido Jofre, foi o escolhido para agonizar nos meus próprios braços, por longas horas e, semi-consciente, balbuciou:
Liguem para a polícia e sumam, pois, tomarei sobre mim toda a responsabilidade de um suicídio.
Coloquei a minha primeira roleta brasileira em sua mão esquerda, posto que, Jofre era canhoteiro, após limparmos as nossas impressões digitais... Portanto, aperceba-se de que esta arma do nosso encontro já era outra, que zelosamente preparara para aquele frustrado assalto.
Julieta, e assim fizemos... sumimos, porém, antes fui a um orelhão e liguei para a polícia e consequentemente encontraram-no agonizante, ainda com alguma lucidez e... conforme prometeu-me confessou a polícia o seu pseudo suicídio...
- Mas como você ficou sabendo dos fatos, após a fuga?
- Li no jornal, Julieta... Uma grande manchete de primeira página, dizia ironicamente: "Marginal Suicida-se Com Tiro Na Cabeça".
Chorando copiosamente, ambos se abraçaram, e despediram-se, e a visita encerrara-se por aquele dia.
Engraçado, como as pessoas se apegam às outras, mas, com certeza valeria a pena investir em Nego, era um elemento recuperável... assim pensava Julieta.
Cuja fidelidade de Jofre a fez recordar de um fato narrado pelo seu saudoso pai, doutor Júlio, que lhe disse:
- Fidelidade, Julieta... esta palavra é muito linda em seu mais puro significado.
- Tive um colega, que na sua juventude fora um grande boxeador ganhando vários títulos, até o de: Campeão Nacional.
Lá no nosso bairro pobre, onde nascemos e fomos criados, o grande Cabral, alcunhado de "Mão de Onça", treinava numa academia: fundo-de-quintal, dentro da mais perfeita informalidade, claro... um lugar clandestino, tendo como treinador o seu tio, homem honesto, experiente, e boa praça.
Mão de Onça, era possuidor de um soco destruidor, a sua direta o elevou ao título máximo, porém, a sua desistência foi implacável, pois, a sua consciência fora muito mais forte do que seu destro punho de aço.
Foi internado em um hospital psiquiátrico por vários anos, até que, a impregnação a ele medicada o fez esquecer de suas amarguras de juventude.
Uma luta oficiosa fora marcada para realizar-se no dia do seu aniversário, lá na sua mais tenra idade de boxeador. Mão de Onça, lutaria com Odorico, seu grande rival e desafeto, por conta de Marilda, uma bela donzela disputada fora do ringue pelos rivais.
Levam-lhe presentes, coisas de cidadela... menos o seu rival Odorico, que não teve a cortesia, apenas bostejava com galhardia:
Vou quebrar a cara desse "merda", palavras transcritas para o jornaleco local.
Chega o dia, sábado, luta marcada para as dezessete horas, lá reuniu-se pouca gente, posto que, fazia frio intenso, mas, o evento marcado tivera de se realizar.
Odorico era o único candidato à altura dos punhos de Onça.
No terceiro assalto, a luta estava equilibrada, quando acidentalmente... Mão de Onça acerta um direto na boca do estômago de Odorico, que cai sobre a lona em convulsão espasmódica.
O caso foi sério, socorrido e internado na Santa Casa local, pelo espaço de uma semana, apenas uma semana...
Notícias no jornal, e um inquérito foi instaurado.
Lá vai o próprio... e arrogante delegado de polícia da cidade, ao interrogatório.
E... no elã de mostrar serviço, por todas leis que o cercavam, queria incriminar Mão de Onça, acenando a Odorico... até uma possível indenização, afirmando categoricamente o fechamento do ringue etc...
Agora começamos a entender o que é realmente fidelidade e bom-senso à uma atividade profissional comum, que elevara Mão de Onça aos seus títulos, nesta vida pequena existência.
Odorico jamais culpou seu rival: Mão de Onça, e sempre enfatizava um acidente recentemente que lhe ocorrera com seu mulo, posto que, tinha como profissão a de oleiro, pela qual, usava-no para amassar o barro para a sua arte em cerâmica...
O delegado argüía-lhe:
- Odorico, não somos tão infantis assim, sabemos que foi o soco recebido pelo seu rival, porém, você teima em falar do seu burro, com essa história de ter recebido dele, um coice no estômago...
Mão de Onça foi solícito no socorro a Odorico e, não deixava o leito do então já amigo, pois, aquela situação aparara as arestas de suas diferenças.
Mão de Onça levava frutas e presentes ao acamado que, em contrapartida pedia-lhe que enamorasse de Marilda mais e mais e, lhe desse todo o apoio do mundo.
Os que presenciavam aquele fato, realmente ficavam enternecidos diante de acontecimentos que preparara-lhes a vida.
A justiça e a polícia nada puderam fazer diante das atitudes de Odorico que, viera a falecer.
Mão de Onça chorara fartamente, até lhe faltaram as lágrimas.
O Boxe, a nobre arte, considerada por muitos, acabou-se...
Mão de Onça, mudou-se para São Paulo onde encontrou apoio, tornando-se então o grande campeão que fora, mas, teve seus últimos dias de tristezas entre psiquiatras, internações e hospitais...
Mas a fidelidade de Odorico, partiu com ele para outras plagas...
Cujo relato, um dia revelado por Julieta a Nego, o desabou em plantos, pois, transformara-se agora com consciência de suas maldades, anteriormente compelido pela repugnância da "justiça" dos homens mandatários deste plano terreno.
Julieta, várias vezes havia meditado seriamente em deixar a capital e furtar-se dos seus afazeres, achando-se num caldeirão de tribulações mil, para voltar à sua querida cidadela, de onde tirava belas recordações...
Mas arrumara um filho para zelar, Nego ainda tinha alguns anos de pena para cumprir...
Certa vez, ao visitar aquele que era tido como um filho, Julieta foi contundente em suas perguntas, formuladas ao seu querido Nego:
- Nego, por que tanta maldade e sarcasmo, com a sua roleta?
- Querida Julieta, você é a mãe que não tive, aquela que foi pega pela roleta num encontro literalmente desastroso...
- Espere um pouco, Nego você está insinuando que também usou dessa mórbida prática até com a sua mãe?
- Não, claro que não, pois, já lhe disse que não cheguei a conhecer minha mãe!
- Refiro-me a você... Julieta!
A vida é uma roleta, e a nossa, é a roleta brasileira!
Estamos fadados à sorte da roleta brasileira, ao sairmos à rua não sabemos se voltaremos e, se ficarmos em casa... ela poderá nos atacar a qualquer momento inesperado.
As autoridades hipócritas deste nosso país, são enfaticamente contra a uma pena... que se faz cruelmente presente a todos, sem exceção: "A Pena De Morte", praticada aleatória e arbitrariamente pelos bandidos civis e policiais.
- Mas ela não é institucionalizada neste país, Nego!
Agora, num linguajar chulo:
- Grande merda, esse verbete forense, Julieta, de que valem as palavras acadêmicas, enquanto o povo morre à mingua e baleado por balas perdidas?
- É... Nego, você tem razão, palavras são palavras, apenas meras palavras!
Agora você já sabe o que é roleta brasileira, pois é, pior do que a roleta russa... mas, ficará ainda pior, na hora em que alguém desobstruir seus outros alojamentos de projéteis...
Quando chegamos a uma prisão brasileira, Julieta, aí então, ficamos extremamente revoltados, não que sejamos santos, mas, concluímos que ultrapassamos às raias da desumanidade e, o sistema continua com a criação de suas cobras e, será picado por elas!
- Você não acha que a desigualdade social cria bandidos?
- Por que um político qualquer, após, mentir descaradamente com promessas falsas em rede de televisão, reelege-se para continuar a tapear o povo?
Por que um desses políticos tem tamanha mordomia, e percebe salário legalizado, ou seja: dentro da mais "pura lei", "cinqüenta vezes", ou mais, do que o nosso salário mínimo, isso quando não rouba milhões de dólares... – No inconsciente do meliante, fica gravado tamanha injustiça, quando sente fome, ou vê o seu irmão de colo morrendo de inanição, então inconscientemente sai fazendo exatamente aquilo que o criminoso de colarinho branco faz com o maior requinte de crueldade, apenas mudando o nome, ou artigo da lei, porém, afirmo-lhe com veemência que o seu crime é maior, pois é, o crime intelectual sem punidade, mas, quando algumas vezes são punidos, ficam em celas especiais, dando água na boca de qualquer morador de favela, ou viaduto.
Sendo que, a justiça verdadeira seria a de punir aqueles que são doutos, portanto, têm a obrigação de conhecer a lei.
Roube uma galinha, e permanecerá no mais profundo inferno...
Os nossos podres legisladores e magistrados, com seus altos salários, mais suas injustiças legalizadas... não estão ordenando aos seus súditos, moradores de ruas e favelas a praticarem os mais hediondos crimes?
- Quem são os verdadeiros bandidos?
- Há somente duas hordas de bandidos, para que seja facilitado o julgamento final... Julieta: Os pútridos e enxovalhados moradores de favelas, e os saudáveis, em suas gravatas de seda, ou em suas honoríficas togas de "justiça plena"!
- A vida brasileira é, uma roleta...
- Nego, vejo que você enxerga longe, bem mais longe do que a maioria, mas, não deve alimentar esses pensamentos de justiça pessoal!
- Sim... estou deixando esta minha filosofia, estou procurando ver a vida, além da vida...
- Sabe... Julieta, por bom comportamento, estou tendo um tratamento diferenciado, estou trabalhando com artesanato, pois, deram-me este entretenimento, sendo que, ficar ocioso numa prisão é algo degradante e desprezível, acabamos por perder a nossa auto-estima.
- E ainda por cima, estou estudando a Bíblia Sagrada, estou em busca de Deus, estou professando uma religião evangélica e, quando estiver liberto dos meus grilhões penitenciários vou dedicar-me de corpo e alma ao auxílio do meu próximo...
- Que maravilha, que alegria ímpar sinto em saber dessas coisas, Nego!
O tempo passava, e os acontecimentos da vida sucediam-se dentro daquela prisão...

A QUEBRA DO PACTO PESSOAL

Faltando seis meses para a soltura do recuperado Nego, vem a quebra do grande juramento, quando Julieta dá-se conta de que está profundamente apaixonada pelo "filho Nego"...
Nego... também se entrega àquela fulminante paixão...
Esses seis meses foram realmente maiores do que a sua pena.
Mas, enquanto esperava o restante da pena cumprir-se, Julieta relembrava fatos, como um acontecido com Quirino, grande amigo de sua família, homem honestíssimo e caridoso.
Quirino era um santo religioso, grande pregador das palavras do Cristo e possuidor de muitos bens materiais, parte conseguida com seu trabalho e também, por herdade paterna.
Certa vez... Júlia, mãe de Julieta, entrou em profunda depressão, a ponto de andar perdida pelas ruelas da cidade, falando sozinha... Internaram-na em um bom hospital psiquiátrico, e naquele período, Quirino homem maduro, foi muito prestativo à Julieta com suas alentadoras palavras:
- Minha filha Julieta, não se preocupe, pois, minha querida Marlene esteve também internada nesse mesmo hospital e, olha que, ela estava perenemente desvairada, tirando as roupas e, desnuda andava pelas ruas...
Aquelas palavras calaram fundo no coração de Julieta, pois, achava que a sua querida mãe jamais sararia das suas alucinantes visões. Vislumbrava ela, horrendos monstros da turba espiritual... Conversava virtualmente com o diabo e seus assessores etc...
Coitada da doutora Julia, ficou tão impregnada que, mal podia andar, perdendo todos os seus reflexos.
Aquilo tudo, causava grande constrangimento à família hipocrática...
Quirino foi a salvação espiritual de Julieta, pois, a cada três dias aparecia para orar a Deus com pedidos em favor da doutora Júlia e consequentemente consolar Julieta, que ganhava muita força pelo carisma espiritual do velho santo.
Doutora Júlia, realmente sarou, voltando às suas atividades médicas etc...
Um dia, inesperadamente chega uma triste notícia à Julieta: O velho profeta fora encontrado enforcado, em sua garagem, numa tarde ensolarada, diante da bela paisagem do seu sítio, onde nascera e morrera o "homem de Deus".
Fatos do dia-a-dia, que deixam-nos boquiabertos...
O que realmente acontecera àquele bondoso homem, qual o motivo, pelo qual, o levara a tão drástica consumação?
Atitude anti-cristã, condenada pelas leis eclesiásticas, quem poderia explicar?
Com certeza, são atos e fatos que mostram-nos a nossa fragilidade humana.
Passaram os longos seis meses e, sai da prisão Nego, agora esperado pela amada Julieta.
Num encontro informal, Nego indaga Julieta:
- Querida Julieta, com prejuízo da resposta que possa receber: E o seu voto de castidade?
- Pois é, meu bem... pedi perdão a Deus e, esta minha atitude parece irreversível, amo-lhe perdidamente.
- Porém, espinhos tem de acompanhar rosas.
Acertos de contas e queima de arquivos, são frases corriqueiras nos dias de hoje...
Apesar de longos anos preso, Nego sabia demais e, fora procurado pelos velhos "amigos" com assédios irresistíveis, que pareciam ameaças de morte.
Nego foi contundente em suas respostas, dizendo: Não!
Baleado novamente, diante da amada enfermeira que o socorreu, o tiro foi na barriga, com a perfuração da bexiga, porém, não foi fatal, e logo recuperado, foi apossado de um espírito justiceiro.
- E agora, o que faria o paladino Nego?

O PALADINO DE CRISTO

A bem da verdade, Nego convertera-se à uma seita evangélica, lá na prisão, tendo-se consagrado: pastor evangélico dos presos, portanto, conhecia sobremaneira a vida íntima de cada facção de bandidos.
A vida e suas nuanças, ora, ora, se o Mestre Jesus, fora tentado lá recôndito de sua quarentena, então em qualquer lugar em que estivermos, por certo, não ficaremos livres das tentações.
E foi exatamente o que aconteceu com o convertido pastor: Nego.
Na sua sutileza, jamais impôs à sua querida Julieta o jugo de Cristo, portanto, dentro do seu ecumenismo permanecia, e ela no catolicismo...
Profundamente iracundo com o desaforo recebido pela tentativa de morte que lhe desfecharam seus ex comparsas e, como pastor, pediu muitos perdões a Deus e, praticou a lei mosaica: "Dente por dente e olho por olho".
Estava sempre forjando alguma viagem evangélica para enganar Julieta, e saía para espionar o ambiente dos seus agora rivais de morte.
Tristes e alegres recordações da sua antiga morada, o viaduto, estava lá, somente a sua cor havia sido modificada por algum político, que usou aquele espaço para suas propagandas...
Atocaiado, estudava a movimentação no viaduto, e apercebera-se de que seus habitantes eram seus velhos conhecidos que, naquele exato momento praticavam um estupro, abusavam de uma menina, e o seu ódio ainda ficou maior, por nada poder fazer naquele momento.
Agora o irascível pastor Nego, friamente como deveria ser, maquinou o seu intento.
De posse de algumas granadas de mão, numa madrugada fria, após certificar-se de que não faltava nenhum dos participantes do seu último encontro, desabafou:
- E aí pessoal... quem está aqui é o pastor de Jesus!
E a primeira granada foi jogada somente para derribar a porta de compensado, que fechava o compartimento debaixo do viaduto...
Assustados e procurando suas armas, pediram uma trégua para uma conversação, que não passava de mais um truque para se ganhar tempo, e exterminar o paladino de Cristo.
Mas, com a velha experiência de malandro, amparado pela enorme pilastra que, naquele momento era a sua trincheira, pergunta:
- Vocês, meus amigos, querem um acordo?
- Sim, você ainda é o nosso líder, e por este motivo queremos conversar com você...
Sadicamente o pastor, exultante de alegria, joga a segunda granada e em seguida, diz-lhes:
- Estupre essa aí, enquanto preparo mais uma...
Ouviu-se o estrondo final, e meia dúzia de inimigos já não mais existiam.
Nego vivia exclusivamente com o soldo, que recebia da igreja, como virtuoso pastor que se fizera perante a igreja que o idolatrava pelo carisma, com qual, revestia-se.
Naturalmente, um pastor não poderia se portar com atitudes anti-cristãs, mas, Nego fazia bem feito, de modo que, ninguém se apercebia das suas artimanhas.
Julieta agora, por necessidade premente fora dar aula de anatomia em um colégio da região.
Eram insuportáveis aqueles alunos.
Corja, horda de bandidos, ela às vezes desabafava com o amorável pastor que, eminentemente dizia-lhe palavras eclesiais:
- Tenha paciência meu amor, o nosso Senhor Jesus sofreu pacientemente sobre o lenho da cruz para salvar-nos da perdição eterna.
Certo dia, Julieta sofreu grande afronta de um aluno que, bateu-lhe no rosto, uma pancada e tanto, trincando-lhe o osso facial, cujo nome científico ela sempre pronunciava ao ministrar suas aulas de anatomia.
Após medicada, chega em casa e conta tudo ao seu amado Nego que, quase inerte, diz à ela:
- Irei assistir algumas de suas aulas e, consequentemente conhecerei esse seu aluno, e naturalmente irei convertê-lo ao evangelho de Jesus.
- Duvido muito, acho que você corre o risco de apanhar, assim como eu.
- Seria uma honra muito grande para mim, ser açoitado em nome de Cristo.
- Dê-lhe a face esquerda, quando alguém bater-lhe na direita.
Nego procurou saber tudo sobre a vida daquele aluno, e concluiu que, era da pior espécie de ser humano, criminoso, traficante, violento, e com larga fixa criminal etc...
Propositalmente... defrontando-se com o aluno que tinha por nome Joel, foi dizendo-lhe:
- É você que, gosta de bater em mulher?
- Em homem também, quando encontro um!
- Saiba você, meu filho, que se bater na minha face esquerda, oferto-lhe também a direita.
Não deu outra, o meliante bateu-lhe nas suas faces, ensangüentando-as, de modo que, o respeito pelo aviltante aluno aumentou sobremaneira junto à sala de aula, e da escola também.
A repercussão daquele fato se fez sentir pela cidade toda, e o pastor apregoou na igreja um grande louvor a Deus, pelo vilipêndio sofrido pelo bandido da escola.
Cada vez que dirigia-se a Joel, levava alguns solavancos, mesmo falando do amor de Jesus.
O paladino esperou por longos doze meses, até que, tomou a já esperada decisão, encapuzado, espreitou Joel e deu-lhe voz de: mãos para cima, ou morre!
Joel obedeceu, pois, pensou se tratar de algum inimigo de quadrilha.
O pastor praticou um ritual diabólico, após ler um capítulo da bíblia, exortando-o à humildade e ao amor, enquanto esfolava o mancebo lentamente, e ia revelando-se ao jovem de vinte e poucos anos, quem fora o pastor Nego, que agora fazia justiça com suas próprias mãos, feito à um sacerdote da "Santa Inquisição".
E o ato macabro, ainda estava para acontecer...
Na noite seguinte à do crime justiceiro, o pastor entrou sorrateiramente na sala de aula que era à de um arrogante professor de matemática que, estivera juramentado de morte pelo aluno Joel, e colocou um embrulho sobre a mesa do professor Norberto, grande matemático, que vivia reprovando seus alunos com suas infernais equações algébricas e geométricas.
Cabe-se aqui uma explicação: notório é que, Nego freqüentava somente as aulas de anatomia, justamente com o pretexto de cuidar da sua amada.
E, todos nós sabemos que o ensino nos nossos dias estão coalhados de bandidos, que burlam aulas, e professores, e a própria polícia.
É a mais esdrúxula situação humana dos nossos dias.
Entra o professor Norberto e, como de costume:
Norberto, era militar e... prestara serviços ao país; em confrontos internacionais, aquela história de convocações feitas pela ONU, para apaziguar ânimos entre guerrilhas etc...
Não era flor que se cheirasse, pois, trazia em seu corpo marcas de estilhaços de uma mina (bomba) e, dizia-se muito macho...
- Boa noite... cambada...
Ao denotar o pacote, ficou cabreiro e, foi logo perguntando:
- Quem foi o engraçadinho?
Ninguém quis manifestar-se e, o mestre pensou mil coisas:
- Seria uma bomba?
- Puxa, estou sacramentado pelo Joel, seria a minha hora?
Conjeturou-se muito e, não querendo fazer muito alarde, sentou-se numa cadeira no fim da sala e, pronunciou:
A cada minuto que se passar estarei tirando um ponto das notas de cada um de vocês, até que apareça o artista e desembrulhe esse pacote...
Olhando atentamente à sala notava a ausência de Joel e:
Realmente... o vagabundo deve estar aprontando.
Após dez minutos, alguém manifesta-se:
- Professor, está com medo de desembrulhar essa bomba?
- Estou morrendo de medo... e você?
- Eu vou desembrulhar essa merda de pacote.
E lá foi Carlão, que também se dizia corajoso, e impetuosamente puxa o papel que sobrepõe outros mais.
O ritual se repete, uma folha a mais é retirada... até que, repentinamente aparece a cabeça de Joel, feito à de João Batista, sobre um prato.
Um grito de espanto em uníssono, ouviu-se ecoar pela escola toda.
Rolara a cabeça de Joel...
O professor Norberto estático, se perguntava:
- Quem teria feito aquilo?
Junto à cabeça facínora encontrava-se um bilhete escrito com o próprio sangue da vítima:
- "Um presente, professor Norberto", dessa cabeça oca você está livre, mas, muito cuidado, existem outras... que podem continuar em seus corpos.
A perspicácia de Nego era grande, tomando os devidos cuidados profissionais de vingador evangélico, tudo foi feito com luvas cirúrgicas impedindo suas marcas digitais etc...
Nego foi tão sutil que, estava fazendo um curso por correspondência para detetive, no aprendizado de vestígios deixados pelos assassinos em seus crimes.
Teve o cuidado de raspar a cabeça, já precavendo-se com a possibilidade em deixar algum resquício, como um simples fio de cabelo, que porventura ajudasse como pista etc...
Até seus pêlos pubianos foram extirpados...
Nego, levava a sério o extermínio dos bandidos.
Peritos criminais, chegavam de vários locais para os respectivos estudos de seus crimes.
Cidadão acima de qualquer suspeita, grande pregador das massas, agora candidato a prefeito da cidade periférica, na qual morava com sua amada Julieta.
Não era um vingador constante, não... era extremamente oportunista.
Cria naquilo que praticava, possuía impulso mórbido de vingança...
Fazedor de caridade, visitava constantemente seus fiéis da igreja, despojando-se de qualquer vaidade e doando-se aos pobres.
Tornara-se querido, extremamente querido.
Dono de invejável modéstia e educação e, jamais insinuava-se com resquícios de vingança, apenas apregoava o perdão com muita enfática.
Ninguém poderia imaginar, aquele pastor agindo friamente à caça de homens maus...
Até que, um crime passional aconteceu nas imediações, porém, jamais Nego cometeria tal sacrilégio, pois, já era celibatário, através de um pacto que fizera com Julieta, que por sua vez, já não andava bem com a sua libido, devido problemas de saúde, hipertensão e outras doenças climatéricas de mulher etc...
O delegado já ouvira muitos suspeitos, quando foi surpreendido pela presença do pastor na delegacia, fazendo uma visita de cortesia religiosa aos presos...
Então pensou:
- E esse pastor?
Solicitou a sua presença, após suas homilias aos presos.
- Com licença doutor delegado, em que posso servi-lo?
- Pastor Nego, espero que o senhor entenda a minha posição de inquiridor...
- Sim... esteja completamente à vontade, mesmo porque, nada pode-me constranger doutor, já passei por interrogatórios, dos quais o senhor nem pode imaginar.
- Bem... já que o senhor mesmo toca no assunto, quero dizer que puxei a sua folha corrida e fiquei admirado com a sua transformação.
- Não é minha, creia doutor, é de Jesus!
- Bem, vamos direto ao assunto: Estou na investigação de um crime passional, que aconteceu no bairro do Respingo, aliás, bem perto de uma das suas igrejas, pastor.
- Desculpe-me doutor, não tenho igrejas, posto que, elas são de Deus!
- Está bem, então fale-me alguma coisa sobre esse crime, se souber, é claro...
- Não posso falar, posto que, nada sei a respeito.
- A vítima, sendo membro da sua crença, nada sabe a seu respeito?
- Sim... Maria José, enamorava-se com Garcia e, como disse-me, ser um crime passional, quem tem de ser investigado é o seu namorado...
- Posso até ser suspeito de um crime, porém, não um passional, posto que, sou celibatário, embora não possa prová-lo.
- Pastor... não estou lhe acusando de crime algum, apenas formulando perguntas rotineiras.
O pastor Nego, usa agora de suas prerrogativas de detetive, e acaba por descobrir o criminoso, que era o irmão de Garcia.
Contando com as fofocas dos membros da igreja, chegou ao criminoso, que fora chamado ao seu ministério e interrogado com veemência, sob condição de maldição divina, e confessou o crime.
Agora, com álibi perfeito, conduziu o réu confesso ao delegado.
Antes do seu episcopado, melhor explicando, antes de ser pastor evangélico, outros fatos ocorreram com Nego:

O TIMÃO

Apesar de pastor lá no presídio, pediram-lhe um tempo, para que, ele realmente se mostrasse convertido dos seus pecados e maldades, então logo que saiu da prisão arranjou um emprego de vendedor em uma empresa que chamava-se Rimmel, e Julieta dava-lhe o maior apoio...
Como ex-presidiário, não fora nada fácil, porém, conseguiu o almejado emprego.
Dr. Claudinei era o presidente da empresa, Jairo era o seu gerente de vendas...
Nego era muito bom de papo, carismática criatura, sempre teve espírito de liderança, desde seus primórdios de banditismo.
Um vendedor que se prezasse haveria de possuir um automóvel, mas, Nego estava na pior. - E quem era ele para comprar um carro?
Mesmo trabalhando à pé, revelou-se um ótimo vendedor a ponto do Dr. Claudinei financiar-lhe um fusquinha vermelho, sendo que, o seu valor seria abatido em suaves prestações mensais, descontadas das suas comissões...
Já ocupando o primeiro lugar no ranking das vendas da empresa, deixava Jairo deveras preocupado, tendo que, Jairo era parente de um dos diretores, e cedera o seu lugar de vendedor a Nego, para assumir a gerência de marketing, como gostava de enfatizar: marketing!
Jairo, talvez por ser aparentado do referido diretor, fazia apenas quatro ou cinco visitas por dia, quando era vendedor, mas, agora enfrentava um sério problema, Nego, ávido em progredir na vida, saiu detonando... visitava a média de vinte clientes por dia, e... era bom de negócio mesmo, nascera para ser vendedor...
A firma era grande, e a diretoria situava-se em um mezanino com visão envidraçada, translúcida, e voltada inteiramente para a loja de materiais de construção civil.
Nego muito pândego, um gozador, fazia de tudo para agradar os funcionários da empresa, porém, estava causando espécie.
Ora, ora, o que tinha a mais do que os outros... um ex presidiário, que chegara naqueles dias para ganhar a confiança do presidente, enquanto muitos dos empregados já estavam há mais de vinte anos marcando passo...
A intimidade entre Nego e o Dr. Claudinei ganhava corpo, até que um dia de pouco movimento, ouviu-se a encantadora voz da secretária falar ao microfone:
- Sr Nego, queira por gentileza apresentar-se ao Dr. Claudinei... obrigada!
Aquele som ressoou pela empresa toda e, a ansiedade dos enciumados funcionários, colocou-os em buchichos mil...
- Seria demissionário o galante vendedor?
- O que estaria acontecendo, com aquele meliante?
- Estaria o diretor e o meliante metidos com as drogas?
- Estaria contrabandeando algum material... para serem vendidos na loja?
A futrica continuou...
Nunca acontecera do presidente chamar alguém pelo alto-falante da firma, sempre pautara em ser discreto e, quando queria falar com alguém, fazia-o pelo intermédio de sua gerência.
Homem culto e muito discreto.
A identificação entre as duas criaturas foi contundente, posto que, Nego era possuidor de alguns atributos, pelos quais, deixava o presidente pensativo.
Nego era bom em numismática, já que, fora falsário... lá nos tempos de malandragem, ou seja, conhecia muito de moedas e notas antigas, e era colecionador.
Despontava como um ótimo profissional das vendas.
Era um rábula, grande conhecedor de leis criminais, tendo em vista que, se obrigara a estudar muito a respeito, quando esteve preso, no afã de praticar a autodefesa, até mesmo orientando o seu advogado...
Estes três quesitos, deixava o presidente simplesmente maravilhado com o ex presidiário.
Em contrapartida, o presidente, doutor Claudinei era Ph.D. em direito romano, ministrando algumas aulas para não perder a pose.
Gostava sobremaneira de colecionar dinheiro antigo.
E tinha o seu departamento de vendas, como as próprias meninas dos seus olhos.
Então aí dava-se o casamento perfeito, coisa que os funcionários jamais imaginavam.
Todo o mexerico, dava-se ao fato de que no dia anterior, Nego batera com o fusquinha vermelho... atropelando um novilho do Dr. José, veterinário e fazendeiro da região, amigo e cliente do Dr. Claudinei.
Na sala da diretoria a conversa fluía solta entre os dois:
- Nego, como é... o garrote do José morreu e, ele estava furioso com você, quando falava comigo ao telefone ontem... mas, não se preocupe, já acertei tudo com ele, bem depois a gente fala sobre isso.
- Dei bobeira doutor, não sei como pude bater no novilho...
O Bicho acabou com a frente do fusquinha, estourou o pára-brisas, quase vai parar no meu colo, dei sorte, se não fosse os meus óculos escuros, não sei... não, poderia até estar cego.
- Sossegue-se, mandei o Juvenal trazer um dos meus carros, que estava parado na garagem lá de casa, ele está aqui no estacionamento, vá usando-o até que você se ajeite...
- Não me honres tanto, doutor... fico muito agradecido pela deferência.
- E aquelas moedas furadas, as japonesas?
- Trouxe-as para o senhor!
- Vamos barganhá-las por outras que devo tê-las comigo...
E a conversa arrastava-se pela tarde toda e, quando o interfone da secretária tocava, pedia ele para não ser interrompido.
Jairo, de quando em quando... interrogava discretamente a secretária querendo saber se, a tertúlia continuava entre os dois...
Nego era instigante e matreiro, terminada a reunião, desceu com a chave do carro no bolso e, passou por vários departamentos perguntando sobre o extravio de uma nota fiscal qualquer, que fazia parte de suas vendas etc...
E quando algum incauto perguntava-lhe sobre o papo com o diretor, respondia:
- Não queira nem saber, meu amigo, estou frito!
Esta fala rejubilava de regozijo o perguntador, expondo o instinto maldoso do ser humano.
Quando toca a campainha das seis horas, Nego também maldosamente, sai exatamente com os funcionários, entrando no carro do patrão e deixando para trás uma confusão ainda maior na cabeça tacanha de seus colegas.
Com o decorrer dos dias, a situação ainda ficaria insuportável a Jairo e a outros chefes da empresa...
Nego começa a freqüentar a mansão do presidente, bem como, os churrascos de fins de semanas na chácara da família.
Porém, um fato aborrecia Nego, sempre notava sobre a mesa do presidente, algumas rescisões de trabalho assinadas em branco pelos respectivos funcionários...
Nego matutou muito sobre aqueles papéis e conjeturou-se:
- Não teria eu, também assinado em branco minha carta de demissão no meio da papelada?
Num dia qualquer, na hora do almoço, sorrateiramente entrou na sala do Dr. Claudinei e pegando cinco daqueles documentos e foi à sala de xerox, que ficava bem ao lado, e extraiu as devidas xerocópias deixando as originais no local de origem.
Dr. Claudinei era fanático por futebol, torcendo pelo Timão, como chamava-no a sua torcida.
Nego começa a conhecer melhor o déspota travestido de cordeiro... o seu presidente, o portentoso dono da Rimmel.
O dia aproximava-se, o Timão haveria de disputar o título nacional, jogo que se efetuaria numa cidade sulista do país.
Sexta-feira, dezessete horas, adentra na sala, com o costumeiro pedido de licença, um dos motoristas entregadores de materiais:
- Com a sua licença, doutor Claudinei?
- Como é Francisco, comprou os ingressos para o jogo de Domingo?
- Doutor, não foi possível, pois, tive muita entrega para fazer e o trânsito estava infernal, queira-me desculpar...
Nego ficou pasmo e, extasiado não cria no que estava vendo, pois, aquele homem polido, de educação refinada, estava sofrendo uma metamorfose radical, e com o dedo em riste, iracundo, ameaçava bater no velho motorista...
E o pior aconteceu: o motorista, após espezinhado, tripudiado e ultrajado foi despedido sem direito à nada...
Nego condoeu-se quando aquele encanecido senhor... genuflexo rogava clemência ao Dr. Claudinei, pois, estava com a esposa nos estertores da morte, acometida por deletério cancerígeno.
De nada adiantara o rogo do ancião, sendo colocado no olho da rua.
Nego continuava firme na liderança das vendas, porém, outro fato corriqueiro estava acontecendo, a esposa do presidente, Dra. Belinha, veterinária e proprietária de uma clínica, estava apaixonada pela fineza e encantamento do mancebo vendedor.
Num almoço, para o qual fora Nego convidado, a doutora Belinha arrastava o efebo para os compartimentos da mansão com o pretexto de mostrar-lhe suas acomodações...
Nego quase estava emaranhando-se nas teias da aracnídea veterinária... quando é atacado por um laivo de bom-senso.
Saindo pela tangente, arrumara uma bela dor de cabeça com Belinha.
Sendo assediado constantemente o boato expandia-se viroticamente.
Aquela amizade familiar foi esfriando-se paulatinamente, quando Nego é chamado por Jairo seu gerente, que hipocritamente e com grande regozijo, diz-lhe:
Meu querido amigo, o doutor Claudinei mandou-me dizer-lhe para que deixe o seu carro no pátio, e retorne amanhã às nove horas para acertar a sua conta...
Então Jairo, estou sendo dispensado?
Não sei exatamente, pois, estou transmitindo-lhe as palavras do doutor, na sua íntegra.
Pois bem, não vou deixar o carro, mas, amanhã, com o orgulho de minha pontualidade britânica estarei na sua sala exatamente às nove horas.
Naquela hora, no dia seguinte lá estava ele... em cima da pinta.
Porém o presidente não dava a cara, aí Jairo instruído pelo doutor Claudinei, chama-o para o respectivo acerto, seria dispensa sem direito também...
Nego, acabo de receber uma ligação do doutor que, me intimou a despedi-lo e, se você julgar-se burlado em seus direitos é para você procurá-los!
Silente, Nego saca de sua bolsa executiva uma cópia daquelas rescisões trabalhistas e a deposita sobre a mesa da gerência e, qual a sua surpresa... quando Jairo é tomado de uma sudorese, e com uma dor lancinante no peito, começa a esmaecer profundamente.
Nego não esperava por aquela situação e... carregando o seu gerente Jairo até o carro, partem rumo à Santa Casa de Misericórdia local.
Acontecia que, Jairo era o guardião fiel daqueles falsos documentos.
Jairo já restabelecido da sua anginofobia, agora tinha de enfrentar o seu patrão explicando-lhe as ocorrências com os pseudos documentos.
Nova audiência é marcada com os três elementos:
- Nego, como você roubou este documento do meu cofre?
- Doutor Claudinei... façamos uma coisa, o senhor paga os meus direitos integralmente e, não se fala mais nisso!
- Além de demiti-lo por justa causa, acabei de abrir um processo por assédio sexual contra você, por desrespeito à Belinha!
- Bem... Claudinei, lembre-se sempre de que você estará tratando com um rábula... (leigo, perito em direito).
Nego tira da sua pasta mais quatro cópias e as coloca sobre a mesa do diretor presidente.
Incontinente... brada o doutor:
- Jairo... vem cá!
Entra o depauperado gerente, Jairo.
- Jairo, como você me explica a posse desses documentos nas mãos de Nego?
Jairo olha humilhado a Nego, querendo pedir-lhe ajuda, e com medo de perder o seu emprego.
Nego compadecido de Jairo e com dor no coração, responde em seu lugar:
Não sei do que vocês estão falando, pois, quem deve cuidar desses assuntos, serão seus respectivos ex funcionários que foram ludibriados por vocês... pelo que vocês estão me mostrando...
Nada tenho com isso, somente quero o que me é de direito e pronto.
- Se eu lhe pagar, quem pode me garantir de que você não irá me chantagear com essas xerox?
Não sei do que você está falando, já lhe disse, você me despediu, pague meus direitos... Jairo prepare os documentos legais do Nego e, acabemos com este assunto.
O presidente teve de manter a simpatia, curvando-se à sapiência e picardia daquele que já fora prisioneiro e bandido de alta periculosidade, precatando-se contra àquelas xerocópias.
Nego sempre fora um homem desconfiado, porém, com uma virtude, apenas praticando sempre a autodefesa.

A SOCIEDADE

Lá nos velhos tempos de suas vendas, Nego visitava um engenheiro, proprietário de uma empresa de construção civil.
Vendeu muitos materiais... dos elétricos aos hidráulicos ao engenheiro Duran.
Ganhando a simpatia do engenheiro, foi convidado para fazer parte de sua empresa ocupando o cargo de gerente de marketing.
Lá vai Nego aprontar outras e boas.
Nego consegue para a empresa grandes negócios, construções de peso mesmo... trazendo grande lucratividade à firma de Duran.
Nego não mais andava de fusquinha vermelho, e sim, somente carro do ano, comprou uma bela casa para sua moradia, ficando assim, livre do aluguel, enfim tornou-se próspero.
Duran era uma pessoa gananciosa, apesar de honesta até determinado momento para com o marqueteiro Nego.
Duran cisma de abrir um depósito de materiais de construção, e quer colocar Nego à frente dos negócios...
Nego reluta veementemente, sentindo o peso daquela responsabilidade, porém, Duran insiste, até insinuando alguma chantagem sobre Nego...
- Nego, você é meu gerente de marketing, cargo que confiei a você, agora vai dizer não a meu pedido?
Nego pede um tempo para pensar, então começa uma nova trama em auto defesa, sem nenhuma maldade, mas, apenas querendo se assegurar de seus direitos sob a óptica do bom-senso profissional.
Na construtora era ele registrado com um bom salário e comissões sobre vendas de serviços, ou imóveis etc...
Acumularia um novo cargo na casa de materiais de construção.
Entrou como diretor de vendas, com dez porcento das cotas mais uma aviltante comissão de dez porcento sobre as vendas da firma.
Esta firma vendia e crescia progressivamente, enquanto Nego fazia apenas retiradas em prolabore.
Com o decorrer do tempo a firma já estava bem desenvolvida, Nego começa a se preocupar, posto que, Duran jamais prestou-lhe algum acerto de conta administrativa.
Para onde estariam indo parar as duplicatas, estariam sendo descontadas em bancos?
Lá pelas tantas, começa escassear os materiais de prateleira e as reclamações pela falta de entrega são infindáveis.
Laércio, cunhado de Duran e comprador da empresa sonega-lhe também informações.
Nego pede a Duran um dossiê de duplicatas etc...
Duran enrola e o tempo vai passando.
Num belo dia ensolarado surge Duran na loja dizendo a Nego:
- Nego, como sócio majoritário estou aqui para baixar as portas da loja hoje e encerrar suas atividades.
- Fazer isso é ilegal e pode caracterizar falência fraudulenta, sendo que, se está com títulos protestados etc...
- Nego, aqui se encerra a nossa sociedade!
Nego humildemente lhe faz mil propostas, pleiteando um acerto amigável, pois, já havia feito seus cálculos e achando razoável o referido acerto, até fez propostas, como: ficar com algumas linhas telefônicas e algumas duplicatas com a transferência de suas titularidades...
Duran foi refratário e irreversível:
- Terminantemente vou fechar as portas e encontro-me com você no tribunal de justiça!
Estendo-lhe a mão, diz Duran:
- Passe muito bem!
Nego pede calma e tenta contra-argumentar, mas o irredutível engenheiro fecha as portas da loja.
Nego eminentemente vai à cata de um advogado munido de sua documentação.
O causídico fica atônito ao ler aqueles contratos, e diz:
- Senhor Nego, esse seu sócio tem com que lhe pagar?
- Sim doutor... ele é possuidor de muitos bens.
Analisando o seu registro em carteira profissional, e outros contratos, pelos quais, você assume responsabilidades com dupla personalidade físico-jurídica, você tem uma pequena fortuna para receber.
Aquele advogado quis ultrapassar o limítrofe de seus honorários legais e Nego se fez entendido do assunto, mostrando-lhe seus conhecimentos forenses, enfim entraram no comum acordo.
Duran o sabichão, recebe a esperada ligação do advogado de Nego, desprezando inteiramente àquele chamado indica o telefone de seu advogado.
Duran então recebe a chamada do seu advogado:
Duran de que se trata?
O engenheiro Duran explica os detalhes e deixa os papéis com o seu defensor.
Após análise profunda dos papéis, chama-lhe o causídico defensor:
Duran, você realmente está enrascado, meu velho!
Como?
Você assinou a sua sentença quando assinou estes documentos - E, por que não me consultou?
Duran preocupado e nervoso chama Nego e pede um acordo, mas, já não se podia fazer nada, posto que, houvera assinado a procuração ao seu advogado.
Resumindo, Duran entrou em contato com o advogado de Nego com a respectiva proposta de acordo, este nada satisfeito cobrou seus honorários para a devida desistência do processo etc...
Duran era irascível, ignóbil e vingador... traduzindo: era redundantemente burro!
Quis ir à desforra, colocou sua genitora como sócia da firma, no lugar de Nego.
Desgostoso com a humilhação lhe imposta por Nego, deixou à revelia e consequentemente caracterizou-se falência fraudulenta.
Como ex participante daquela funesta sociedade Nego fora chamado para depor, mas, os meirinhos... na maldosa e ilegal intenção, ao verem a bela casa de Nego e seus carros do ano na garagem, e como é quase praxe, foram achacá-lo.
Numa Sexta-feira, dia especial para tal trapaça, chegaram três seres nimbados da mais espúria vaidade humana, empafiosos deuses.
Nego na sua intuição, recebe os homens dentro do seu lar, gentilmente ofertando-lhes bebidas etc...
Um bacharel em direito, parecendo ser o mais importante dos três, diz-lhe:
- O senhor se chama: Austragélio Nogueira?
- Sim, mas, pode tratar-me por Nego...
- Sinto muito, mas o senhor está preso!
Colocando o mandado de prisão sobre a escrivaninha onde estava Nego.
Nego, assustado interiormente, porém, simplesmente álgido em seu aspecto fisiológico, quando é provocado pela reles criatura de cabelos grisalhos:
- Gosto de tratar com bandido experiente, pela sua frieza...
A réplica é eminente:
- Doutor, sinto desapontá-lo, tendo em vista que, nada devo à justiça, cumpri pena sim... mas, jamais cometi qualquer delito depois disso.
- Ora, ora, o meritíssimo juiz expediu um mandado de prisão contra uma pessoa de ilibada probidade...
Mas aqueles homens da lei, não imaginaram a existência de escutas e câmeras ocultas no escritório da precatada criatura.
Como já dissemos: era uma Sexta-feira treze, e no maior, e pior presídio do país, chamado Carandiru o pau comia solto, rebelião total.
Ameaçando contundentemente levar o réu diretamente àquele presídio, fazendo chantagem emocional:
O senhor ficará trancafiado até a próxima semana correndo risco de morte, no meio de bichos selvagens, conhecerá o verdadeiro inferno.
Nego, explicou que tratava-se de um engano, pois, jamais deixaria de comparecer a audiência, caso tivesse recebido a intimação judicial...
O matreiro detetive fala:
- Estamos penalizado pelo senhor, notamos que o senhor é homem de bem e, seríamos os primeiros a não querer vê-lo naquele inferno.
- Que orientação os senhores podem me dar?
- Senhor Nego, o senhor sabe perfeitamente que, nós ficamos diuturnamente expostos à mercê dos bandidos que nos assassinam constantemente...
– Não é verdade?
- Concordo que sim...
- O Senhor sabe quanto ganha um investigador?
- Uma merreca seu Nego, uma merreca...
Finalizando... eles pedem a Nego uma quantia em dinheiro e dizem que o deixaria provisoriamente solto etc...
Pagamento realizado em espécie, diante das câmaras e microfones...
Nego era realmente peitudo e não tinha medo da morte.
Os homens foram embora e nego pedira o seu telefone para um possível contato emergente etc...
Nego começa a representar uma empresa de chaparia de aço.
Por sorte ou capacidade efetuou uma grande venda, e aqui começa outra saga do nosso protagonista:

A COMISSÃO

A firma estava sonegando o pagamento daquela comissão, a qual era de grande soma...
- Como fazer para recebê-la numa boa, sem atritos?
A esta altura do campeonato, Nego contratara um advogado, que fora ao magistrado e expediu-se um contra mandado de prisão, e estivera totalmente livre.
Surgiu-lhe uma idéia, convocar aqueles detetives para ajudá-lo a receber aquela comissão...
Após se passarem oito meses daquela visitação jurídica, e já sendo bastante conhecido naquela empresa de chaparia, telefonou para o detetive , que lançou sobre ele o maior desprezo.
Após uma maratona indescritível encontrou Claúdio num barzinho de meirinhos, que contavam suas façanhas de matar meliantes etc...
- Olá doutor , lembra-se de mim?
- Nunca o vi mais gordo!
- Nem dos dólares que lhe dei, lá na minha casa, para que rechaçasse a minha prisão?
Aquela frase jamais deveria ser dita, pois, o furioso detetive partiu para cima de Nego que acabou levando umas bordoadas da ignominiosa criatura asquerosa que, em seguida o conduzia ao distrito, por calúnia e desacato a autoridade etc...
A caminho Nego simplesmente tira do cano de sua bota uma cópia daquela gravação, e bate com ela na divisão que separa o motorista do bandido dentro do camburão.
Ao ver aquela fita, preocupa-se e para em lugar ermo e pergunta sobre a fita:
- De que se trata, seu calhorda?
Se você soubesse o que está gravado aqui, jamais teria encostado o dedo em mim, você pode até me matar aqui, mas, alguém está bem orientado sobre tudo...
Claudio mudou de rumo, levando Nego à sua casa onde assistiram aquela gravação.
- Nego, o que você quer por essa gravação?
- Nada, somente a sua amizade, mesmo porque, posso até entregá-la nas suas mãos e, possuir outras cópias comigo.
- E se eu lhe der um tiro?
- Eu posso morrer e você ficar encrencado, posto que, estamos sendo filmados por um profissional, mas, para você e para mim, compensa somente a nossa amizade.
- Bem o que você quer de mim?
- Apenas um pequeno favor, pelo qual, lhe pagarei também!
A conversa prolongou-se por várias horas, e ficou combinado de conduzi-lo até a firma devedora daquela comissão etc...
No dia determinado, dirigem-se de camburão policial até à empresa.
Estacionam bem defronte da diretoria da firma e, desce primeiro Nego, enquanto os demais policiais ficam a esperá-lo no carro.
A curiosidade foi realmente grande, quando vários altos funcionários vislumbram Nego aproximando-se da secretaria, provindo do banco da frente do carro, tendo como pose a de um verdadeiro delegado de polícia.
A secretária faz alarde à diretoria, daquele fato inusitado.
O paladino enquanto aguarda na secretaria, subitamente entra e diz-lhe:
- Doutor Nego, podemos dar uma pequena saída de meia hora?
- Para onde vão as bonecas?
- Rever o caso X, já que, estamos tão próximos...
- Sim, meia hora tá!
- Sim senhor!
Aquela armação realmente funcionou, um dos diretores chamou pela secretária, que ficou alguns minutos dentro da diretoria relatando os fatos corriqueiros daqueles momentos.
Muito bem vestido, sobre seus sapatos italianos, mais gravata em seda também italiana, dentro de casimira inglesa, lá estava o galante Nego.
Diz-lhe a secretária:
- Pode entrar senhor Nego!
- Obrigado.
Elegantemente dá três toques na porta e adentra-se com a fineza da palavra licença.
- Bom dia... senhores diretores.
- Bom dia Nego, tudo bem?
O diretor jurídico da empresa lhe faz uma pergunta:
- Nego, o que você faz nas horas vagas?
- Caço, sou caçador...
- E o que mais?
- Sou pároco de uma igreja, insulada na mata atlântica... O silêncio foi total, não quiseram mais se exporem com ridículas perguntas ao vendedor Nego.
Nego trouxe para casa a sua grande comissão, dando alguma coisa aos meirinhos...
Ficando no ar:
- Quem seria realmente aquela criatura tão versátil, eclética e que tocava sete instrumentos?
Estes fatos ocorreram durante seus três primeiros anos de soltura, até que, tomou a decisão de tornar-se definitivamente pastor evangélico e paladino de Jesus.
"A vingança a Deus pertence".
Julieta, pobre Julieta, teve de amargar mais uma enorme decepção já nos últimos dias de vida, e morreu fulminada por um ataque cardíaco como acontecera com o doutor dos pobres, Cripaldi...
Depois de longas investigações, e muitos depoimentos dado por Nego, chegaram a um veredicto: Nego era realmente assassino de mais de trinta pessoas, as quais, vingara, fazendo justiça com as próprias mãos.
Julieta não agüentou ver o seu amado amargar o resto da vida na prisão e desfaleceu.

Resumo:

Mostramos o lado amargo da vida, posto que ela existe, e há momentos de sonho, e há momentos de realidade cruel.
Não devemos ser hipócritas, e enfrentarmos a mais doída realidade.
Habitamos num planeta de desigualdade humana, há milênios tem sido assim, não podemos esconder o lado negro da vida.
Porém jamais percamos a esperança em melhorá-lo!
Não queremos aqui julgar as qualidades malfadadas do nosso personagem, mas, também cremos que, a sociedade elitizada é a maior cúmplice da vergonha humana, em forma de criminalidade.
Os homens que julgam e governam o planeta... como já falamos anteriormente, ganham somas enormes de dinheiro, enquanto o honesto trabalhador morre de fome com um salário de miséria.
A nossa injustiça social é calamitosa.
Desejamos a você leitor, a maior felicidade deste mundo, e que você possa enxergar o lado sinistro da humanidade que, é mais sinistro do que destro.
Felicidades!

Obra: Romance.

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